Sem controle nos aeroportos


19/5/2010
O Globo

O governo dispensou a Infraero de realizar licitações, à luz da lei 8.666, na aquisição de bens e na contratação de obras e serviços de engenharia necessários à infraestrutura aeroportuária para a Copa do Mundo de 2014 - que terá 12 cidadessede, onde estão os principais terminais do país. Sem detalhamento e critérios sobre quais obras poderão ser tocadas sem as amarras da legislação em vigor, e de que forma, o texto foi considerado polêmico mesmo nos bastidores da estatal, que há quase um ano negocia com a União um modelo menos rígido de contratações, como os de Petrobras e Eletrobras.
   
A autorização foi incluída na medida provisória (MP) 489, que cria a Autoridade Pública Olímpica (APO) - um consórcio público entre União, Estado e município do Rio, que vai cuidar dos projetos necessários à realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. Sem citar o nome Infraero, o artigo 11 da MP contempla também as obras de infraestrutura aeroportuária relacionadas à Copa, em 2014, que são tocadas pela estatal.
   
Pelo texto, a estatal poderá realizar pregões eletrônicos para obras em geral e não apenas para compra de equipamentos, como acontece hoje. A Infraero também recebe autorização para inverter as fases dos processos licitatórios, que começam tradicionalmente pela análise da documentação geral do candidato, fixam-se então na capacidade técnica deste de executar a tarefa e só posteriormente se detêm no critério de preço.


Treze terminais receberão R$ 4,47 bi
     

Atualmente, o planejamento da Infraero para a Copa prevê intervenções em 13 aeroportos de 12 cidades.
   
O desembolso estimado é de R$ 4,47 bilhões. No Rio, só o Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim (Galeão) está incluído: R$ 566,5 milhões. A obra mais cara será no Aeroporto Internacional de Cumbica (Guarulhos, em São Paulo), com R$ 952 milhões. A Fifa tem se queixado de atrasos nas obras do Brasil para o Mundial de 2014, sobretudo na construção de estádios.
   
Na exposição de motivos, a MP que cria a Autoridade Pública Olímpica cita a necessidade de "mitigar ao máximo os riscos de atrasos" na realização das obras para não prejudicar o compromisso assumido pelo país. Segundo fontes ligadas à Infraero, a nova regra tem potencial para reduzir pela metade o prazo no processo de licitação, que leva entre seis meses e oito meses.
   
Escaldado com o monitoramento e as acusações ostensivas do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre obras em aeroportos - o setor mais questionado dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) -, o corpo executivo da estatal vê na falta de amarração do artigo 11 da MP o risco de brechas para que se cometam irregularidades.

Atualmente, obras em quatro aeroportos estão paralisadas por decisão do TCU (Macapá, Vitória, Goiânia e Guarulhos). Em Guarulhos, onde a situação é mais urgente, a Infraero e o Exército anunciaram uma parceria na semana passada para tocar as intervenções nas áreas que não estão sendo periciadas.
   
A MP deixa dúvidas, por exemplo, em relação à inversão das fases do processo de licitação, vindo em primeiro lugar a escolha pelo concorrente que oferecer o menor preço.
   
Sem critérios definidos, isso pode abrir espaço para que uma empresa com ótimo preço seja descoberta depois incapaz técnica e financeiramente, deixando a estatal com um mico nas mãos.
   
A MP precisa ser regulamentada, e a estatal terá que encaminhar ao governo uma proposta sobre o que caberá a ela fazer e como. Faltam esclarecimentos sobre quais obras especificamente estão relacionadas à Copa e se a nova regra vai ser restrita aos investimentos. Por isso mesmo, a aposta é que o texto passará por alterações significativas no Congresso Nacional.
   
Elton Fernandes, pesquisador e professor em transporte aéreo da Coordenação de Pós-graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe) da UFRJ, diz ser favorável a uma maior flexibilização no regime de contratação das empresas públicas, porque o excesso de regulamentação traz ineficiência ao setor. Ele avalia, porém, que a falta de regras claras poderá gerar irregularidades. Como ocorre com a Petrobras, disse Fernandes, é preciso detalhar quais despesas poderão ficar fora da lei de licitações, bem como definir a responsabilização dos funcionários da Infraero e das empresas contratadas.
   
- Deixar livre não é o ideal - afirmou o professor.
   
Fernandes defende ainda mudança nos critérios de menor preço, que têm prevalecido no setor público mas nem sempre representam maior eficiência.
   
- Às vezes o barato sai caro.
   
Procurado, o Ministério da Defesa, ao qual a Infraero está subordinada, não respondeu as perguntas encaminhadas pelo GLOBO, alegando que precisaria de tempo para analisar a MP, bem como da ajuda de outras áreas do governo. A assessoria de imprensa da Infraero informou que a área jurídica da empresa está analisando a MP e que o seu departamento de engenharia fará um levantamento sobre as licitações em andamento que poderão ser feitas pela nova regra.
   
Para ministro, regra vai 'simplificar ritos'
   
Ontem, o ministro dos Esportes, Orlando Silva, disse que as regras previstas na medida provisória vão facilitar "o enfrentamento das dificuldades nos aeroportos". Silva, que foi indicado pelo governo para ser gerente da nova APO - este nome, porém, precisa ser aprovado pelo Congresso - participou de encontro no Rio com membros do Comitê Olímpico Internacional (COI).

- Na medida provisória (que cria a APO), foi proposto um rito mais simplificado para licitações e contratos dos investimentos para os Jogos Olímpicos. E foram incluídos nela os investimentos para infraestrutura aeroportuária, ou seja, a simplificação do rito para contratos de reforma e construção dos aeroportos, o que facilita o enfrentamento das dificuldades nos aeroportos - disse o ministro, ressaltando que a medida está sendo apreciada no Congresso Nacional.
   
O governador Sérgio Cabral, que também participou da reunião com o COI, defendeu que o modelo de concessão seria a melhor opção para melhorias nos aeroportos do Rio.
   
- O que me deixa preocupado, não só para as Olimpíadas como para a Copa, é a questão do aeroporto.
   
Algo tem que ser feito. Não só o do Rio como o de São Paulo precisam de investimentos. No caso do Rio, acredito que uma concessão seria o melhor caminho.