Iris Lettieri, dona da voz inconfundível que há 35 anos anuncia os voos, tem medo de andar de avião

27/11/2011- O Globo, Bia Guedes

RIO - "Voo 752 para Paris, Roma, Londres, embarque portão 7". "Voo 342 para Pindamonhangaba, embarque portão 2". Os voos são fictícios, mas a voz de Iris Lettieri, que acabou conhecida como a mais bonita do mundo, continua a mesma. Há 35 anos, seu registro de contralto, grave e aveludado, provoca frenesi nos passageiros que circulam pelo Aeroporto Internacional Tom Jobim e por outros quatro que usam sua voz: Santos Dumont, Guarulhos, Congonhas e Manaus.

A vida de Iris Lettieri em fotos

No apartamento, em Botafogo, onde vive com o sexto companheiro, o baixista Alexandre Dekert, Iris faz as honras da casa. Serve suco de uva, conta que engordou depois que parou de fumar e revela um segredo guardado a sete chaves, ou melhor, a sete turbinas: não anda mais de avião, porque morre de medo.

— Viajei o Brasil todo, mas não consigo mais, estou com fobia. A consciência de que meu tempo neste planeta está acabando me faz valorizar tanto a vida que não quero arriscar — diz Iris. — Parece ironia, mas, fora do Brasil, só conheço Buenos Aires.
Mãe de Iris dava aulas de canto
Metódica (anota as datas significativas de sua vida), Iris tem uma alegria contagiante. De repente, estica a calça largona, mostra o quanto a peça é confortável, e diz que, a esta altura da vida, prioriza o bem-estar.
— Ando sempre com esse tipo de calça, camiseta solta, sandálias e cara lavada. O máximo que eu ponho é batom cor de boca, porque meus lábios são sensíveis demais — explica ela, que tem o site www.irislettieri.com.br.
A carreira de locutora nasceu em casa: o pai, José Avelino Costa, foi locutor da antiga Rádio Cruzeiro do Sul; a mãe, Joselia Lettieri, professora de piano, canto e dicção. Mas a menina franzina ganhou o mundo com as próprias pernas e a obstinação típica das virginianas.
— Quando eu tinha 16 anos, minha mãe foi convidada para dar um concerto na Rádio MEC. Eu e meu pai ficamos esperando na sala de som. Então vi um gravador e perguntei ao técnico se ele podia gravar a minha voz, pois eu tinha a maior curiosidade em ouvi-la. Ele disse sim, me deu um jornal, e li uma notícia.
Magra, míope e cheia de charme
Foi o bastante para a vida de Iris mudar. Ela apareceu pela primeira vez diante das câmeras da TV Continental, em julho de 1959. Garota-propaganda, tímida e magra demais, não seguia os padrões da época. Ainda por cima, era míope e precisava usar óculos de lentes grossas que, ironicamente, acabaram lhe dando um charme extra. Assim, começou a pilotar fogões, abrir geladeiras, recomendar perfumes, cremes e deitar-se languidamente em sofás para delírio dos espectadores. Foi eleita a melhor garota-propaganda daquele ano.
Só que o amor aconteceu. Aos 19 anos, ela se casou e foi morar em Porto Alegre. Virou apresentadora da TV Gaúcha e ficou amiga de Elis Regina. Mas o amor, sempre ele, acabou:
— Meu marido, 15 anos mais velho, me trocou por uma desquitada de 35, com três filhos. Eu tinha 21. Na separação, abri mão de pensão, só exigi de volta meu nome de solteira.
Ela conta que começou a carreira como Iris Costa.
— Mudei para Lettieri porque estava cansada de explicar que não era filha do humorista Costinha — explica, bem-humorada, lamentando apenas que o sonho de ser cirurgiã tenha sido abortado pela vida.
Mas Iris queria o mundo, e o jornalista Fernando Barbosa Lima lhe abriu as portas convidando-a para ser a primeira locutora de telejornal do país.
— Tive a oportunidade de trabalhar ao lado de dois monstros sagrados do jornalismo, Luiz Jatobá e Sergio Porto.
Em 1964, foi convidada pela TV Rio para apresentar um jornal retrospectivo, aos sábados, e ser comentarista de um programa esportivo ao lado de estrelas como Oduvaldo Cozzi, Luís Mendes, Nelson Rodrigues e João Saldanha.
— Ao mesmo tempo fui chamada para ser manequim de passarela em desfiles de alta-costura e aceitei o desafio — conta ela, que foi capa das principais revistas do país e chegou a processar a banda americana Faith No More. — Eles colocaram a minha voz no lançamento do CD Angel Dust. Ameacei processar, mas acabei fazendo um acordo, era mais rápido.
Carreira na TV deu projeção
Em 1965, foi contratada pela TV Globo, como locutora de telejornal e, no ano seguinte, passou a fazer parte do elenco de noticiaristas da TV Tupi.
— Fiquei lá 11 anos, e a transmissão via satélite me deu projeção nacional — conta ela, que trabalhou em nove canais de TV ao longo de 28 anos de carreira e também atuou como atriz na TV Continental, como na peça "O que será de nós?", de Walter Avancini.
Foi tanto sucesso que, antes da inauguração do aeroporto, Iris foi convidada para ser a voz de chegadas e partidas.
— Atualmente, as gravações são feitas no Rio. Como o sistema é computadorizado, gravo só palavras e números, com entonações variadas, e o computador edita as frases — explica Iris, que pretende escrever um livro sobre a origem da mãe.
Dona Joselia foi adotada pelo cônsul da Itália em Natal, Guglielmo Lettieri, homem rico, dono de hotéis, fábricas de gelo e fã de Mussolini e Hitler. Ele cortou relações com a mãe de Iris quando ela veio morar no Rio.

— Ela veio morar com meu pai, um homem simples que não podia dar a mesma vida que ela tinha com meu avô. Mas minha mãe não suportou aquela vida de necessidades. Quando nasci, morávamos numa casa de cômodos, meu berço era um caixote forrado com cobertor.
Iris: ‘Jamais ficaria nua’

Reservada quando o assunto é a vida pessoal, ela jura que, ao contrário do que muitos pensam, não ficou nua, em 1986, num anúncio que fez para a Petrobras. Estava com 42 anos, um corpo impecável, e o sucesso foi retumbante. O comercial, dividido em capítulos, induzia o telespectador a pensar que Iris terminaria completamente nua.

— Eu tirava o casaco, a meia, depois abria um botão da blusa, depois outro, até ficar com um decotão. O clima insinuava que eu ia tirar a blusa, mas eu não tirava. No final, eu aparecia sentada, ao contrário, numa cadeira com espaldar alto que tapava toda a minha frente: o público só via meu colo nu, as pernas e os braços. Mas eu estava de short, jamais ficaria nua.