Turismo espacial classe econômica

05/01/2012 - O Globo

Mais de 400 pessoas já compraram passagens.
Primeiro voo comercial será em outubro

Cesar Baima
cesar.baima@oglobo.com.br

Renato Grandelle
renato.grandelle@oglobo.com.br

O VEÍCULO lançador White Knight 2 carrega a nave protótipo Space Ship 2 (no centro, com o logo da Virgin): passeio ocorrerá a até 110 quilômetros da Terra

Antes restrito ao mundo dos multimilionários, o turismo espacial em breve será uma realidade para centenas de pessoas um pouco menos privilegiadas financeiramente, numa espécie de viagem de classe econômica até o limite da atmosfera terrestre. Entre o segundo semestre deste ano e 2013, três empresas — Virgin Galactic, XCOR e Space Adventures — esperam começar a levar passageiros a cerca de 100 quilômetros de altitude, onde poderão experimentar um pouco da gravidade zero e apreciar a vista que os astronautas profissionais têm do planeta.

Desde 2001, quando o empresário americano Dennis Tito subiu ao espaço, sete turistas pagaram até US$ 40 milhões pelo privilégio de passar uma breve temporada na Estação Espacial Internacional (ISS). Todos eles foram levados a bordo de foguetes Soyuz da Roscosmos, a agência espacial da Rússia, sendo o último o canadense Guy Laliberté, em 2009. Agora, no entanto, reservar uma viagem à fronteira do espaço é quase tão simples quanto planejar ir para qualquer outro destino em terra, e está bem menos caro.

No caso da Virgin Galactic, do bilionário britânico Richard Branson e que deverá ser a primeira a começar suas operações, em outubro, o preço da passagem é de US$ 200 mil. Em troca, os turistas serão levados para um espaçoporto no estado americano do Novo México, onde passarão por três dias de treinamentos e lazer antes de embarcarem em uma nave modelo “Space Ship 2”, agora batizada VSS Enterprise, para um voo com duração total de cerca de duas horas e meia.

Dois brasileiros entre os turistas

● Carregada pelo veículo lançador “White Knight 2” (agora VMS Eve), a nave, com capacidade para seis passageiros e dois tripulantes, subirá até pouco mais de 15 mil metros de altitude, quando então vai ligar seu foguete para um passeio suborbital a até 110 quilômetros da Terra, com direito a cerca de cinco minutos de gravidade zero.

Até o momento, pelo menos 475 pessoas de 21 países já depositaram o montante necessário para garantirem suas reservas nos voos da Virgin Galactic. São, ao todo, 500 vagas, segundo Rogê David, diretor da GSP Travel, uma das duas agências credenciadas para vender ingressos no Brasil.

Até agora, apenas dois brasileiros garantiram seu tour espacial. No contrato que assinaram com a Virgin, ambos pediram sigilo absoluto de sua identidade. Sabe-se apenas que um mora na Colômbia e o outro, na Inglaterra.

Embora nenhum ingresso tenha sido vendido no país, David está otimista com o novo negócio.

— Sabíamos que seria difícil — revelou. — É um produto completamente inédito. Quando houver o primeiro voo, logo após todos voltarem, o turismo espacial vai passar por um boom.

Branson esperava que sua empresa começasse a operar comercialmente em 2007, mas problemas no desenvolvimento das naves forçaram o adiamento do projeto. A demora deixou a clientela ainda mais ansiosa. Entre elas, a americana Catherine Culver. Ex-funcionária do controle de missões da Nasa, ela espera satisfazer um antigo sonho, após ter sua inscrição recusada por quatro vezes no programa de treinamento de astronautas da agência espacial.

A Virgin Galactic, no entanto, não é a única empresa de turismo espacial a já contar com clientes pagantes, e nem mesmo a mais barata. Sediada na Califórnia, a XCOR informa ter mais de cem passagens reservadas, a US$ 95 mil cada, em seu pequeno avião espacial de apenas dois lugares — para o piloto e o turista — que deverá começar a voar no ano que vem. Já a Space Adventures, do estado da Virgínia, começou a aceitar reservas muito antes e tem mais de 200 interessados em pagar US$ 110 mil para embarcar na sua nave automatizada em desenvolvimento pela parceira Armadillo Aerospace. Sem piloto, ela vai levar dois passageiros até o limite do espaço a partir de data ainda a ser definida. Um dos primeiros passageiros da Space Adventures deverá ser o pesquisador britânico Madsen Pirie, um dos fundadores do Instituto Adam Smith, dedicado à defesa do livre mercado, e que efetuou sua reserva há mais de uma década. Embora desapontado com a demora para embarcar, ele afirma não estar arrependido:

— Tem sido uma história de esperanças adiadas, mas ficarei encantado quando chegar a minha vez — disse ao "New York Times".

Em mais um sinal de que a indústria do turismo espacial está mesmo levantando voo, a gigante dos seguros Allianz anunciou que planeja começar a oferecer seguros-viagem para os clientes da Virgin Galactic que cobririam desde cancelamentos de última hora a eventuais despesas médicas antes e depois dos passeios suborbitais. Segundo Erick Morazin, diretor de contas globais da Allianz Global Assistance, quando a ideia surgiu, há quatro anos, todos diziam que “isso só podia ser uma brincadeira”. Hoje, porém, o assunto é tratado a sério e, embora nenhuma das três empresas prováveis pioneiras do turismo espacial esteja cobrando altas taxas por eventuais desistências, ele acredita que essa política não deve durar muito mais.

— Queremos estar preparados para esse acontecimento — diz. ■

* Com o New York Times

O mercado de lazer no espaço

● TURISTAS: Até agora, só sete pessoas foram à Estação Espacial Internacional como turistas, todas em naves russas Soyuz. O pioneiro foi o americano Dennis Tito, em 2001, seguido do sul-africano Mark Shuttleworth, em 2002; do americano Gregory Olsen, em 2005; da iraniana Anousheh Ansari, em 2006; do americano Charles Simonyi por duas vezes, em 2007 e 2009; do americano Richard Garriott (2008); e do canadense Guy Laliberté (2009).

● CONCORRÊNCIA: Além da Virgin Galactic, XCOR e Space Adventures, dedicadas exclusivamente ao turismo espacial, três empresas que desenvolvem projetos para a substituição dos ônibus espaciais da Nasa planejam usar suas naves em viagens de lazer: Boeing, SpaceX e Blue Origin. A Boeing se associou à Bigelow Aerospace num programa que inclui um hotel em órbita. Já a SpaceX começará a prestar serviços para a Nasa ainda este ano, enquanto a Blue Origin, do bilionário Jeff Bezos, fundador da Amazon.com, investe em veículos de baixo custo para viagens curtas ao espaço. Mais recentemente, Paul Allen, cofundador da Microsoft, também anunciou que começará a investir no setor espacial com uma nova empresa, a Stratolaunch Systems.