“Cumbica tem os maiores problemas

19/03/2012 - Webtranspo, Luciana Povreslo

O ex-aeroviário e empresário Wagner Ferreira faz análise dos aeroportos

O Brasil está prestes a receber os maiores eventos esportivos da atualidade, que exigem eficiente infraestrutura para abrigar as competições e seus espectadores, geralmente turistas de todas as partes do mundo, além da gigantesca cobertura da imprensa mundial, que repercutirá como funciona o país-sede.

Hoje em dia é imprescindível que a estrutura aeroportuária seja moderna e que funcione a sua plenitude para que os eventos aconteçam dentro do seu cronograma, com todos os entrelaçamentos e conexões inerentes a Copa do mundo do Futebol e das Olimpíadas.

Para esclarecer algumas dúvidas e opinar sobre a situação atual de nossos aeroportos e companhias aéreas, fomos conversar com um dos mais experientes executivos do setor aeroviário brasileiro. O empresário paulista Wagner Ferreira iniciou sua carreira na Vasp, como auxiliar de reservas, aos 18 anos de idade, passando pela área de Processamento de Dados até chegar ao cargo de Vice-presidente. Em seguida o seu passe foi comprado pela TAM, onde exerceu o cargo de Vice-presidente por nove anos, e a seguir ajudou a estruturar a Webjet, onde assumiu a Presidência e por lá ficou pouco mais de um ano, antes de se dedicar aos seus empreendimentos particulares.

Com toda a bagagem adquirida - são 37 anos de experiência no setor aeroviário -, Wagner Ferreira montou JWF Gestão Empresarial, empresa de consultoria especializada em recuperação e estruturação de empresas em vários segmentos. O polivalente empresário também ministra cerca de duas palestras mensais pelo Brasil, sendo que as mais recentes se referem a infraestrutura aeroportuária.

“Há dois anos eu falei que a privatização era a melhor saída para os aeroportos, e as pessoas achavam impossível por causa da política anti-privatização que o PT sempre pregou. Está aí a prova de que não tinha outra saída”, declara Ferreira.
 

Como você vê o cenário da aviação comercial hoje no Brasil?
O mercado vem caminhando para uma estagnação. Em 2011 o mercado cresceu em torno de 16% em relação ao número de passageiros transportados em 2010. Já para 2012, a expectativa é que o mercado cresça em torno de 7%. Mas eu digo, sem sombras de dúvidas, que isto acontece mais pela limitação da questão de infraestrutura do que pela própria capacidade de crescimento do mercado.
 

Quem vai pagar essa conta?
Eu tenho falado e tenho assustado muita gente, porque é a pura verdade. Se a demanda é maior do que a oferta, o que acontece? Sobe o preço. Tanto é que a aviação, no último trimestre da inflação, já é um dos três itens que contribuíram para o aumento da inflação no Brasil.
 

E a inclusão das classes C e D, que hoje viajam de avião?
O transporte aéreo era uma coisa elitizada no Brasil e agora não é mais. Com a inclusão da classe C e D, passou a ser meio de transporte. Em virtude até da deficiência das nossas estradas, de uma rede ferroviária e fluvial adequadas, o transporte aéreo viveu um boom, porque os preços ficaram mais acessíveis. Neste processo a Webjet teve uma participação fundamental, de desmistificar o transporte aéreo, já que a TAM sempre foi vista como uma empresa de elite. Em qualquer empresa aérea você pode comprar uma passagem e parcelar em oito vezes sem juros. Com preço bom, se você se planejar - e o pessoal da classe C e D têm como se planejar -, comprando com antecedência pagará 20% do preço cheio da passagem.
 

E a estrutura aeroportuária, como está?
Em Cumbica eles criaram o “puxadão”, onde a Webjet está operando, que fica no terminal 4, onde operava o terminal de cargas da Vasp, porém, o gargalo não está sendo no check in, mas sim no estacionamento de aviões e pista. O problema do aeroporto de Guarulhos não está em atender passageiros, o gargalo lá é pousar avião. Ele não faz operação simultânea, enquanto tem um avião pousando, o outro está parado esperando para decolar. No entanto, os aeroportos do Galeão e Brasília têm operação simultânea. Então, para o maior aeroporto da América Latina, o problema é muito complicado.
 

E não dá para fazer a operação simultânea em Cumbica também?
Em Cumbica não dá para construir outra pista. O Governo Federal tem que pensar em construir um novo aeroporto em São Paulo. Uma grande empreiteira, que tem uma área em Caucáia do Alto já sinalizou o desejo de fazer outro aeroporto. E no aeroporto de Viracopos (Campinas) dá para fazer outra pista.
 

Mas no caso de Guarulhos, não tem como resolver, então?
Em minha opinião a situação de Guarulhos é um pouco mais complicada. Lá existe uma limitação de slots, (horário marcado pelas companhias para pousos e decolagens, junto à Infraero). O tráfego aéreo no terminal de São Paulo já está impossível. Eu não vejo grandes problemas em se resolver os problemas de Viracopos e nem de Brasília. O maior problema está em São Paulo. Acredito que para amenizar o problema terão que ser permitidos mais vôos no aeroporto de Congonhas.
 

Congonhas tem estrutura para receber mais voos?
Congonhas tinha 48 movimentos por hora. Na ocasião do acidente com o avião da TAM, o então Ministro da Defesa, Nelson Jobim, baixou um decreto diminuindo a movimentação do aeroporto para 33 movimentos. Então, dá para aumentar mais 15. Lá tem uma pista auxiliar que operou durante 70 anos, até o acidente.
O aeroporto de Congonhas não tem problema de pátio. Eu acredito que até a Copa do Mundo deverão liberar mais slots. Lá já está sendo investido em sistema de monitoramento e gerenciamento de tráfego aéreo. Querem diminuir o espaçamento para menos milhas entre um avião e outro e isso é possível. Se você observar os aeroportos centrais de Nova York, eles operam com intervalos muito menores do que os nossos, com operações seguras. O aeroporto de La Guardia, em Nova York, tem três vezes mais movimentação do que o aeroporto de Congonhas. Então, tem que ter uma vontade política, com muito cuidado para não se tomar nenhuma decisão fora do racional.
 

O que o grupo que ganhou o leilão para ter controle de Cumbica pode fazer então?
Estão dizendo que na primeira fase do projeto eles devem construir o TPS 3. Isso vai resolver problema de pátio, então, o aeroporto deve ficar mais organizado, mas não mais produtivo. Produção significa avião pousar e decolar. Em alguns dias os passageiros chegam a ficar 40 minutos dentro do avião esperando para decolar. Esse problema será muito difícil de ser resolvido, pois já foge do controle da iniciativa privada. Para isto terá que se desapropriar muitas famílias que invadiram terrenos nos arredores do aeroporto. Esta área não poderia ter sido invadida. Quando fizeram o plano diretor tinham que ter cercado aquela região. Agora, não tem como chegar lá e tirar todas aquelas famílias, isto é um problema político e social. A expansão de pista no aeroporto de Guarulhos é muito complicada.
 

O que vai acontecer com essa situação toda?
As passagens aéreas vão subir. E ai, as classes C e D correm o risco de ter que voltar para o ônibus, só que quem experimentou o avião, não quer voltar para o ônibus.
 

Como ficam essas pessoas que já experimentaram o avião?
As classes C e D tinham três bloqueios, um era social, eles achavam que não podiam andar de avião porque era coisa de bacana. Tinham também os bloqueios psicológico e financeiro.
Os aeroportos estão caóticos. Se não possibilitarem que as empresas possam crescer para ter mais aviões circulando, a passagem ficará mais cara e ficará inviável para a classe C e D pagar. Óbvio que existem outras complicações, como se o PIB da indústria e serviços continuarem crescendo também.
 

Nossa infraestrutura está pronta para receber a Copa do Mundo?
A Copa do Mundo não tem só o problema dos aeroportos, tem a própria questão dos estádios de futebol. Quando as delegações tiverem que se locomover é que será um grande problema. Porque atrás de cada delegação vai a sua torcida, repórteres e muitos profissionais.
Em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais não tem problema de frequencia de voos, mas no Nordeste não tem quantidade suficiente para deslocar o número de pessoas que são esperadas neste evento. O que existe é uma flexibilidade para remanejar voos de lugares onde não está tendo evento. Por exemplo: Em Florianópolis não vai ter jogo da Copa. Então, de posse do calendário de jogos, será feito o remanejamento a fim de atender essa demanda.
O brasileiro é um povo muito criativo, mas eu vejo com um pouco de preocupação a situação.
 

E como o senhor vê a questão do acesso aos aeroportos de Cumbica e Congonhas?
Isso é um grande problema. Como chegar nestes aeroportos quando chove? Se chove, a Marginal fica intransitável, todo mundo perde avião. E aí, as empresas aéreas são atacadas pela mídia, pois atrasam o voo, mas é lógico! Não tem como decolar com o avião, porque o problema da infraestrutura é da cidade, não tem fácil acesso. Muitas vezes as empresas aéreas põem até helicópteros saindo de Congonhas para levar a tripulação até Guarulhos e fazem decolar os aviões praticamente vazios porque os passageiros não chegaram. Mas, depois que esses passageiros chegam, eles têm que ser atendidos em outros voos e você não consegue colocar a malha aérea em ordem.
 

As companhias aéreas têm estrutura para receber a demanda desses eventos?
Quanto às companhias aéreas, elas já estão se preparando, acho que esse é o problema menor. Porem, elas não estão comprando aeronaves. Ninguém vai comprar avião para deixar na prateleira. Você tem que fazer planejamento. Os indicativos do mercado é que tanto a TAM, quanto a GOL, que juntas têm mais de 80% do mercado, não estão fazendo novas encomendas de aviões. Justamente porque não tem onde colocar os aviões!
Mas isto é o suficiente para atender o mercado hoje. E para a Copa, será o suficiente? Visto que uma aeronave demora mais de um ano para ser entregue depois da encomenda.
Os equipamentos que as companhias aéreas têm hoje atendem a demanda. Durante a Copa do Mundo os brasileiros não irão viajar. Então a demanda já cai automaticamente. Os turistas é que estarão se locomovendo, haverá uma diminuição da demanda de brasileiros durante a Copa do Mundo. Por isso não vejo problemas de grande gargalo durante a Copa neste sentido.

A privatização ajudará a melhorar de fato o sistema dos aeroportos?
Sem dúvida! Teremos menos burocracia, a tomada de decisão é mais rápida. Também tenho certeza de que o custo de uma obra pela iniciativa privada em relação ao que hoje é feito pela Infraero deve cair 1/3, 2/3 mais ou menos.
Se formos analisar hoje, 2012, faltando dois anos para a Copa do Mundo, é faca no dente! Ainda teremos dor de barriga aí. Mas, no final das contas, eu acredito que deva acabar bem.