O engenheiro que idealizou a Embraer e viu Ovnis

18/03/2012 - O Globo

PERFIL >> OZIRES SILVA, ex-ministro e ex-presidente da Petrobras e da Varig

Biografia de Ozires Silva revela também bastidores da privatização no Brasil

Gilberto Scofield Jr.
gils@oglobo.com.br

SÃO PAULO. O engenheiro Ozires Silva, de 81 anos, não esquece a mãozinha do destino quando, em abril de 1969, o avião do então presidente Artur da Costa e Silva, impedido de pousar em Guaratinguetá por causa de um nevoeiro, mudou o pouso para São José dos Campos. O então major Ozires era a maior autoridade do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) naquele dia e cabia a ele receber a inesperada visita do presidente. Sem gabinetes, sem protocolos, sem intermediários, lembra Ozires, seria uma oportunidade única para conversar com a maior autoridade do país sobre a indústria brasileira de aviões, uma ideia que havia taxiado no CTA depois da criação do primeiro avião de testes 100% brasileiro, o Bandeirante, mas que não decolava por ceticismo tanto dos militares, quanto do governo.

Durante a hora em que Costa e Silva esteve no CTA, Ozires percorreu os hangares e vendeu ao presidente a ideia de fabricação do Bandeirante para a Força Aérea Brasileira (FAB). Costa e Silva prometeu “examinar a ideia”. No dia 26 de junho daquele mesmo ano, Ozires foi a Brasília explicar a uma turma de ministros o projeto do avião brasileiro. O então ministro da Fazenda, Delfim Netto, de início relutante por causa dos custos de um projeto dessa envergadura, acabou se animando com a ideia.

— E qual seria o nome da nova empresa? — perguntou Delfim.

— Embraer: Empresa Brasileira de Aeronáutica — respondeu Ozires.

Membro da ‘Santíssima Trindade da Aeronáutica’

Nascia ali, finalmente, da obstinação de um grupo de militares do CTA e da quebra de hierarquia de um deles, aquela que se transformaria na terceira maior empresa de aviação do mundo, com um faturamento previsto, em 2011, de R$ 6 bilhões. Essas e outras histórias fazem parte do livro “Ozires Silva: um líder da inovação”, biografia do criador da Embraer, escrita pelo engenheiro Decio Fischetti, que deve ser lançado em abril no Rio.

— O Decio insistiu tanto nessa biografia que eu cedi — conta Ozires, em seu escritório no bairro do Brooklin, na Zona Sul de São Paulo, repleto de maquetes e fotos de aviões, incluindo um 14 Bis.

— Ozires faz parte da Santíssima Trindade da Aeronáutica brasileira, juntamente com Santos Dumont e o brigadeiro Casemiro Montenegro Filho, criador do ITA — diz Fischetti.

“Um líder da inovação” poderia render muito mais nas mãos de um escritor/jornalista acostumado com biografias. O texto se mostra muitas vezes confuso. Mas a trajetória de Ozires — que foi presidente da Petrobras no governo de José Sarney (1986-1988), integrou uma missão à China organizada pelo guru da administração Peter Drucker, foi superministro da Infraestrutura no governo de Fernando Collor de Mello (1990-1991), o grande executor da privatização da Embraer (1994) e presidente da Varig (2000-2002) — não tem como não resultar em histórias interessantes, como as brigas com o então ministro de Minas e Energia Aureliano Chaves sobre os rumos do Programa do Álcool, ou o pedido de demissão do governo Collor, incomodado com o grupo da República de Alagoas que levaria o presidente ao impeachment.

— Minha experiência no governo me deixou claro que, se a Embraer queria se modernizar e competir no disputado mercado internacional de aviação, a saída só poderia ser a privatização — diz ele. — O governo é lento e controlador. Essa lógica pode ser aplicada aos aeroportos. O governo tem que melhorar o ambiente de investimento e não controlar setores industriais.

— De uma forma bem objetiva, a Embraer simplesmente não existiria sem o Ozires — diz o presidente da Embraer, Frederico Fleury Curado. — Foi ele quem liderou o time que teve a visão estratégica e conduziu o processo de criação da empresa, em 1969, e se tornou seu primeiro presidente, posição que ocupou por 17 anos. Retornou à empresa em 1991 para levá-la de forma segura e estável à privatização, que ocorreu em dezembro de 1994. Nessas duas fases absolutamente críticas na história da Embraer — seu nascimento e sua privatização — a liderança de Ozires Silva foi fundamental e determinante para seu sucesso.

O livro traz também episódios inusitados. Um deles ocorreu em maio de 1986, quando então presidente Sarney o convocou a Brasília para pedir que assumisse a Petrobras no lugar de Helio Beltrão. Na volta para São José dos Campos, pilotando o próprio avião Xingu da Embraer, ele viveu um episódio conhecido como a “Noite Oficial dos Ovnis”, quando 20 objetos não identificados foram detectados no espaço aéreo pelo Cindacta de Brasília.

Meta é trazer feira de aeronáutica ao Brasil

“Vi um corpo bastante mais alongado, talvez da cor de uma lâmpada fluorescente, e circulei várias vezes o meu avião, olhando para baixo e, sinceramente, não sei dizer o que era efetivamente”, conta.

No dia seguinte, na coletiva de imprensa, Ozires ficou surpreso. Nenhum jornalista queria saber de petróleo, mas de discos voadores: “Aí foi curiosíssimo, pois, felizmente, embora meu conhecimento sobre petróleo fosse acadêmico e distante, as perguntas foram só sobre os UFOs”.

— Sua personalidade altiva, correta, honesta e retilínea não lhe permitiu compactuar com o cenário estranho que já se desenhava naqueles dias — diz o companheiro de CTA, brigadeiro Sócrates Monteiro da Costa, que era ministro da Aeronáutica no governo de Collor de Mello, quando Ozires ocupava a pasta da Infraestrutura.

Nascido em Bauru, cidade com a qual ainda mantém laços fortes (fez um lançamento da biografia lá) e casado há 60 anos com Therezinha, Ozires Silva se tornou há 20 dias bisavô pela primeira vez (são três filhos e sete netos). É sócio de um empresa de biotecnologia — Pele Nova, fabricante de material para reconstrução de tecidos a partir do látex — e um requisitado palestrante sobre inovação. Crítico da falta de investimento do governo em educação e do chamado capitalismo de Estado, acha que o governo deveria se ocupar da regulamentação e da fiscalização da atividade produtiva, deixando os negócios para a iniciativa privada, mais eficaz, ágil e competitiva.

— O setor de aviação é supercontrolado. Por que o governo tem que autorizar uma linha aérea? Se ela não for viável, que a empresa arque com o custo de testar essa linha — afirma.

O projeto mais recente de Ozires é transformar São José dos Campos na sede da maior feira aeroespacial da América Latina.

— Temos um terreno do CTA capaz de abrigar uma feira maior que a de Le Bourget, na França. Vamos ser os maiores do Hemisfério Sul — garante.

Quando os projetos partem do homem que ajudou a transformar ceticismo na terceira maior empresa de aviação do mundo, não há porque duvidar.