Conexões aumentam em Congonhas

15/04/2014 - Valor Econômico

Um em cada quatro passageiros no aeroporto de Congonhas está meramente à espera de conexão. Números praticamente desconhecidos no setor, obtidos pelo Valor por meio da Lei de Acesso à Informação, demonstram que 25,3% dos usuários do terminal paulistano no ano passado não tinham a cidade de São Paulo como ponto de partida ou de chegada da viagem. Essa proporção é a mais alta do passado recente e indica o reforço de uma estratégia das companhias aéreas: o uso intensivo de Congonhas como um dos grandes centros de distribuição de voos (hubs) do país, apesar de suas limitações operacionais.



Com isso, o aeroporto se distancia do uso prioritário para voos "ponto a ponto", como as ligações da ponte aérea São Paulo-Rio e São Paulo-Brasília. A tendência também representa o inverso do plano adotado temporariamente pelo governo em 2007, logo após a tragédia com o avião da TAM que matou 199 pessoas, de proibir conexões no aeroporto. Antes do acidente, cerca de 20% dos passageiros usavam Congonhas como parada intermediária.

A restrição imposta às empresas para conexões no terminal ficou em vigência durante seis meses e derrubou esse índice para menos de 10%, conforme dados da Infraero (ver tabela), mas foi revertida depois de a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) ter constatado que muitos passageiros começaram a trocar de voo por conta própria, desmembrando a viagem em duas passagens compradas de forma independente. Com isso, acabavam sobrecarregando ainda mais o terminal, já que faziam todo o trâmite de recolher bagagens e voltar para as filas do check-in.

A aviação civil era coordenada à época pelo Ministério da Defesa, então sob comando do ministro Nelson Jobim, que adotou outras duas medidas com o objetivo fortalecer a utilização do aeroporto para voos "ponto a ponto": um limite de 1.500 km para os destinos atendidos por Congonhas e a redução da quantidade máxima de pousos ou decolagens permitidos por hora em suas pistas.

Hoje o uso de Congonhas como "hub" não constitui nenhuma irregularidade, mas chama a atenção o fato de que o índice de conexões já supera, com folga, a proporção observada quando se tomou a medida restritiva. Para entender esse movimento, a reportagem do Valor entrou em contato com funcionários do governo, representantes de empresas aéreas e estudiosos do setor.

De acordo com um executivo de uma das líderes de mercado, que falou na condição de anonimato, o prejuízo bilionário das companhias nos últimos anos detonou um processo de reorganização e enxugamento das malhas aéreas. Houve redução de frequências em rotas com índices de ocupação mais baixos, como ligações diretas entre cidades fora da região metropolitana de São Paulo. Com isso, Congonhas viu um reforço no papel de "juntar" passageiros de outras localidades, a fim de prosseguir para o mesmo destino. Mas na prática, como admite esse executivo, há menos opções de voos diretos.

"A concentração de voos em hubs é uma tendência no setor aéreo e qualquer companhia que possa vai querer pousar em São Paulo", afirma Jorge Leal Medeiros, professor da Escola Politécnica da USP. "Captura-se uma receita marginal com um custo marginal praticamente nulo."

Uma fonte do governo complementa o raciocínio do professor e lembra que uma das regras básicas em vigência no setor é a liberdade para que as empresas possam usar, como quiserem, a infraestrutura aeroportuária disponível.

Em um cenário de ajustes das companhias para buscar maior rentabilidade às suas operações, não há nenhuma preocupação do governo em restringir as conexões em Congonhas, segundo essa autoridade. "Se é o que tem sido economicamente mais viável, para o passageiro e para as companhias, não vemos problema nisso", afirma a fonte, que acompanha de perto o assunto.

No ano passado, a movimentação em Congonhas atingiu 17,1 milhões de passageiros, maior volume desde os 18,4 milhões verificados em 2006. No ano seguinte, as restrições diminuíram essa movimentação em quase 20% - para 15,2 milhões. Além de ter liberado as conexões, o governo trabalha agora na revisão do limite máximo de pousos e decolagens (slots), com a perspectiva de ampliá-los em até quatro movimentos por hora, incluindo a liberação de mais voos de jatos executivos na pista auxiliar.

O assunto continua na pauta do governo e está praticamente definido, mas não deve haver mudanças até a Copa do Mundo, que começa em junho. Para o megaevento esportivo, caiu temporariamente - até julho - a resolução que impedia voos saindo de Congonhas para distâncias acima de 1.500 km. Reservadamente, algumas companhias têm a expectativa de que a limitação caia de vez após a Copa, viabilizando voos diretos de Congonhas para capitais do Nordeste como Recife e Fortaleza.

O Valor apurou que, embora isso ainda não seja objeto de discussões internas no governo, o aumento das distâncias máximas é uma possibilidade a ser contemplada pelas autoridades caso a experiência durante o torneio seja positiva. A única exigência da qual o governo não abre mão, por razões de segurança, é um limite mais rígido para o peso das aeronaves que pousam ou decolam de Congonhas.